Donadon se ajoelhou e agradeceu após ter seu mandato mantido pela Câmara
Jorge William / Agência O Globo
BRASÍLIA - Dois meses depois dos protestos que pararam as ruas de todo o  país, a Câmara deu mostras de que esqueceu a agenda positiva e manteve na noite  de quarta-feira o mandato do deputado Natan Donadon, que foi condenado por  formação de quadrilha e peculato, e está preso na Penitenciária da Papuda, em  Brasília, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). 
Numa sessão que foi esticada para tentar recolher o maior número de votos,  faltaram 24 votos para cassar o mandato do deputado. Foram 233 a favor da  cassação, 131 contra e 41 abstenções. Eram necessários, no mínimo, 257 votos.  Donadon, que foi autorizado pela Justiça a se defender em plenário, ajoelhou-se  e rezou, com as mãos para cima, logo após saber do resultado.
Apesar da vitória na votação, Donadon não poderá exercer o mandato.  Dizendo-se constrangido com o resultado, o presidente da Câmara, Henrique  Eduardo Alves (PMDB-RN), mandou convocar o suplente de Donadon, Amir Lando  (PMDB-RO), em caráter de substituição enquanto durar o impedimento do titular.  Alegou que, por estar preso, Donadon não poderá cumprir as funções de  parlamentar. Alves foi elogiado pelos poucos parlamentares que ainda estavam em  plenário.
— Com plena consciência de parlamentar vivido, de quem viveu muitos  episódios, digo que este foi um episódio mais constrangedor. Anuncio este  comunicado ao plenário e ao país. Vou dar consequência à decisão do plenário. Em  razão do cumprimento da pena em regime fechado, o considero (Donadon) afastado  do mandato e convoco seu suplente — disse Alves.
Primeiro deputado condenado em último instância, Donadon saiu de camburão da  Penitenciária da Papuda para fazer pessoalmente sua defesa no plenário da  Câmara. Às 23h15m voltou para cadeia algemado no mesmo camburão, mas ainda com o  mandato.
— Agradeço a Deus. A justiça está sendo feita — afirmou Donadon ao deixar o  plenário.
A reação foi imediata.
— A Câmara dos Deputados está de luto — disse o líder do PPS, Rubens Bueno  (PR).
— É um terrível constrangimento. Devemos apressar a aprovação do voto aberto,  para não salvarmos futuros deputados — disse Sérgio Zveiter (PSD-RJ), relator do  processo e que pediu a cassação de Donadon.
Alves anunciou que só vai voltar a pôr outro processo de cassação em votação  depois de aprovado o projeto que acaba com o voto secreto.
Quando chegou ao plenário, no início da sessão, Donadon adotou tom religioso.  O deputado-presidiário evocou Deus, disse que não é ladrão e que nunca roubou um  centavo. Diante dos olhares constrangidos de alguns colegas, o deputado, num  longo discurso, descreveu sua situação na cela da Papuda, queixou-se da falta de  água e do vaso sanitário. O parlamentar reclamou também que foi obrigado a  seguir algemado do presídio para a Câmara e na parte de trás do camburão, e  ainda chegou a mandar aos colegas um recado dos presos, que reclamam da  qualidade da comida na penitenciária.
A votação começou às 20h30m. Incomodado com baixo quorum, Alves decidiu dar  maior prazo para que os parlamentares comparecessem ao plenário e estendeu a  votação até as 23h. Às 22h, o painel registrava 405 votantes. No início da  sessão, 469 parlamentares tinha marcado presença. Até as 23h, ninguém mais  votou.
Donadon saiu da Papuda com autorização da Vara de Execuções Penais de  Brasília, assinada pelo juiz Ademar Vasconcelos. Quando foi agendada a votação  em plenário, a Câmara formalizou um pedido ao juiz para ingressar na Papuda e  notificar pessoalmente Donadon.
Nesse mesmo documento, Alves solicitou que o juiz, se julgasse possível,  adotasse as providências cabíveis caso Donadon tivesse interesse em se defender  pessoalmente. A sessão começou com a acusação do relator, Sérgio Zveiter. Ele  disse que não era uma situação agradável:
— Foi uma ação criminosa, um assalto aos cofres públicos. Vivemos um momento  histórico, e a sociedade tem o direito de impedir que essa impunidade se  alastre.
Da tribuna, Donadon implorou para não tirassem seu mandato, alegando que sua  família passa por dificuldades financeiras. Também acusou o MP de seu estado de  só enviar ao STF provas que o condenavam, não as que o absolviam.
— Decidi vir aqui se fosse apenas para falar a verdade. A imprensa omitiu a  verdade. Hoje se completam dois meses que estou preso e sendo tratado como um  preso qualquer, um preso comum. Está difícil demais para mim passar por isso.  Estou no isolamento, como se fosse de segurança máxima — disse Donadon.
Ele contou até que, para terminar o banho de ontem, precisou recorrer a  garrafinhas de água de um colega preso:
— Tenho sofrido muito. É desumano o que um prisioneiro passa. Minha família  tem sofrido. Esta é a primeira oportunidade de me defender. A imprensa foi  sensacionalista e irresponsável. A verdade não interessa. Sou inocente.
Donadon é acusado de, em 1997, fazer parte de uma quadrilha que desviou mais  de R$ 8 milhões quando era diretor financeiro da Assembleia Legislativa de  Rondônia.
— Uma acusação dessas, de 17 anos atrás, não tem cabimento. Nunca pratiquei  um ilícito. Sempre fui zeloso com a coisa pública. Eu até ia trabalhar à noite,  olhava folha por folha de muitos processos. Nunca roubei um centavo. É injusto.  Nunca paguei serviço que não tenha sido realizado — disse Donadon.
O deputado afirmou, ainda, que quem foi condenado como chefe de quadrilha, na  ação, pegou seis anos de cadeia:
— E eu, que era apenas um cooptado, peguei 13 anos. Um absurdo. Sou muito  querido na minha terra.
Donadon fez um apelo final aos deputados:
— Amigos deputados, amo minha profissão, amo fazer política. Quantas pessoas  culpadas estão soltas por aí?! Pelo mais sagrado, não desviei nada. Deus sabe  que sou inocente. Não sou louco de pagar ninguém sem nota fiscal. Não sou  ladrão, nunca roubei nada. Por favor, peço a esta Casa que me absolva. Esta Casa  é independente. A verdade libertará.
Quando se esgotaram os 25 minutos a que Donadon tinha direito para se  defender, o Henrique Alves pediu que ele encerrasse. Nesse momento, houve uma  reação de parte dos deputados que estavam no plenário:
— Deixa ele falar! Deixa ele falar! — gritavam vários colegas.
— Pode falar então — acatou Alves.
Após o discurso, Donadon ficou num canto do plenário, cercado por familiares  e alguns deputados. Comeu um sanduíche e tomou um suco. Com o plenário  esvaziado, pediu a palavra de novo para transmitir recado dos presos da Papuda  aos políticos.
— Pediram-me para falar sobre a alimentação, que é muito ruim. Peço às  autoridades que olhem para isso. Lá não é marmitex. É chamado de xepa. Não é de  boa qualidade. Eu também sinto isso, tenho síndrome de intestino irritado —  disse.
No plenário, enquanto aguardava o resultado da votação, Donadon foi  encorajado por colegas. O deputado Marcos Rogério (PDT-RO) disse a ele que não  haveria os 257 votos necessários para a cassação de mandato:
— Não vai ter 257, vai ter muita abstenção. Você fez um estrago (com seu  discurso). A Sueli Vidigal (PDT-ES) estava aos prantos ali atrás.
Antes da sessão, no plenário, o parlamentar foi se encontrar com a família,  que estava numa das laterais do plenário. Ele abraçou a filha Rebeca e pediu  perdão. Abraçou também o filho caçula, Nathan, que chorava muito. A mulher,  Rosângela, e ex-assessores estavam presentes. 
A Advocacia Geral da União (AGU) entrou ontem com ação de reintegração de  posse do apartamento funcional da Câmara cedido a Donadon (sem partido-RO) e que  ainda está sendo ocupado por sua família.
Poucas horas antes de Donadon ir ao plenário se defender, sua defesa entrou  com mandado de segurança no STF pedindo que a Corte anule o ato da Mesa Diretora  da Câmara que suspendeu seu salário, verba de gabinete e determinou também a  devolução do apartamento.
Fonte/O Globo