GENEBRA - A Organização das Nações
Unidas (ONU) acusou
o Vaticano de manter um "sistema de ocultação" de crimes sexuais contra
crianças, de não colaborar com a Justiça, de promover a impunidade
e pede que a Santa Fé revele qual a dimensão dos casos envolvendo padres pelo
mundo. Nesta quinta-feira, 16, o papa Francisco enfrentou seu primeiro grande
teste internacional ao ser examinado pelas Nações Unidas em Genebra durante seis
horas sobre o que tem feito para proteger crianças contra abusos sexuais.
A
sabatina de representantes da Santa Sé já estava programa há meses e foi a
primeira em mais de uma década. Enquanto a reunião ocorria em Genebra, o papa
Francisco, de Roma, usava sua homilia para admitir a culpa da Igreja. O
argentino, porém, não usou a palavra "pedofilia".
Andrew Medichini/AP
Papa admite culpa da Igreja em casos de
pedofilia
A delegação do Vaticano adotou um tom de transparência e reconhecimento de
que precisa mudar a forma de atuar. A Santa Sé admitiu que os crimes foram
cometidos pelo clero e que "nada os justifica". O Vaticano também garantiu que
não toleraria que casos fossem encobertos para proteger os religiosos.
"Tantos escândalos que eu não quero mencionar isoladamente, mas que todos
sabemos quais... Escândalos, nos quais alguns tiveram que pagar caro: E está
bem! Se deve fazer assim... A vergonha da Igreja! ", disse, em Roma, o papa
Francisco, em referência à indenização que a Igreja pagou nos EUA. "Mas nos
envergonhamos desses escândalos, dessas derrotas de padres, bispos, laicos?"
Ainda assim, a atitude foi considerada como insuficiente tanto por parte da
ONU quanto por parte de ONGs e vítimas da Espanha, Polônia e EUA que lotavam a
sala das Nações Unidas em Genebra. A principal queixa da ONU se refere ao fato
de que o Vaticano insistiu no exame desta quinta que não liberaria dados sobre o
número de padres punidos e que, cada vez que um caso era citado, se protegia no
fato de que a punição cabe aos Estados onde os suspeitos estariam atuando.
Sara Oviedo Fierro, relatora da ONU, foi uma das que lideraram o
questionamento. Segundo ela, a Igreja mantém 200 mil escolas pelo mundo, com 50
milhões de alunos. "Quantas pessoas foram consideradas culpadas? Quantos padres
foram entregues para a Justiça?", cobrou.
Sara Fierro apontou que sanções adotadas pelo Vaticano são vistas como não
sendo da mesma magnitude do crime e que o "interesse do clero parece ser mais
importante do que o interesse da criança". "Existe um sistema de ocultação dos
crimes", afirmou. A relatora ainda acusa o Vaticano de não estar divulgando os
números reais do problema. "Vocês sabem o número de casos. Por que não
difundir?"
Para Kirsten Sandberg, presidente do Comitê da ONU de Proteção às Crianças, a
falta de punição no Vaticano impera. "A maioria dos padres tem se beneficiado da
impunidade", acusou. "As leis canônicas impõem o silêncio sobre as vítimas e
existem inúmeros casos nos quais a Santa Sé se recusou a colaborar com a Justiça
local", completou. Para ela, apenas a transparência nos casos pode permitir que
novos crimes sejam impedidos.
"Vocês não podem lavar as mãos", disse aos religiosos. "Suas respostas não
são claras sobre como vocês pensam em prevenir novos casos. A melhor forma de
resolver essa situação é remover esses suspeitos de seus cargos e punir os
anteriores. Colocar de baixo do tapete não é a solução."
Hiranthi Wijemanne, outra relatora da ONU responsável pelo exame, foi direta
na cobrança. "Por que houve a proteção aos autores dos crimes?", acusou.
A ONU pediu nesta quinta que o Vaticano entregue detalhes de todos os casos
conhecidos de abusos sexuais contra crianças. Mas a Santa Sé uma vez mais
desapontou a entidade e alegou que é responsável pela implementação do tratado
de proteção a menores apenas dentro do seu território, a Cidade do Vaticano,
onde vivem 31 crianças.
O bispo Charles Scicluna, promotor da Congregação para a Doutrina da Fé,
isentou o Vaticano de qualquer responsabilidade. "Não podemos impor jurisdição
além do Vaticano. Não são funcionários do Vaticano. São cidadãos de seus Estados
e atendem a essas leis. Não é obrigação dar. É dos Estados."
Nova Atitude. Ainda assim, num esforço para mostrar que não
estava sendo cúmplice com os criminosos, Silvano Tomasi, núncio do Vaticano na
ONU, negou que o Vaticano esteja escondendo dados. Segundo ele, desde 2006, a
Santa Sé publica o número de casos de abusos sexuais que chegaram até a Igreja.
"Em 2012, temos informação sobre 612 casos de abusos sexuais, dos quais 418
deles envolvem crianças", declarou.
Entre 2006 e 2012, o Vaticano confirma que recebeu mais de 3 mil casos de
abusos sexuais cometidos pelo clero. Mas não informa quantos foram punidos e nem
se os responsáveis foram impedidos de praticar suas missões religiosas.
O Vaticano, porém, admite que não publica o número final de casos de pessoas
que tenham sido punidas ou colocadas na prisão. "O processo não é público",
declarou.
Tomasi alagou que a Santa Sé tem modificado suas leis e, nos últimos meses,
abriu um processo contra um funcionário por abusos sexuais contra crianças fora
do território da Cidade do Vaticano. "Não há desculpas. Esses crimes não têm
justificativa nas estruturas da Igreja", insistiu.
"Os abusos são cometidos pelo
clero e outros funcionários da Igreja. Isso é muito sério, porque estão em
posição de confiança e devem proteger a criança", disse.
OMS. Usando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o
núncio do Vaticano indicou que 150 milhões de meninas pelo mundo são alvo de
abusos sexuais em diferentes instâncias da sociedade, além de 73 milhões de
garotos, numa tentativa de mostrar que o problema não é apenas da Igreja.
Ativista e vítima de abusos sexuais, Miguel Hurtado também contestou a
avaliação do Vaticano: "Os dados estão escondidos. O Vaticano concentra todos
esses dados. Publicá-los seria uma forma de prevenir novos casos."
Barbara Blain, líder da rede de vitimas dos EUA e também abusada por padres
em Ohio, alertou que a resposta não foi satisfatória. "Se eles querem mudar, tem
de dizer quantos padres foram punidos", declarou. "Se isso não mudar, não
podemos dizer que algo mudou na Igreja", completou a americana, que acusou os
líderes religiosos de sua região de ter ameaçado seus pais quando ela fez a
primeira denúncia há 25 anos.
Fonte/Jamil Chade, correspondente em Genebra
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