RIO - A historiadora e arqueóloga Valdirene Ambiel está prestes a enviar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) uma síntese de seu projeto de doutorado, que pretende analisar os restos mortais de D. Pedro II, Teresa Cristina, Princesa Isabel e Conde D’Eu, que permanecem no Mausoléu Imperial de Petrópolis. A pesquisadora é a mesma que, há um ano, concluiu a análise dos restos mortais de Dom Pedro I e das imperatrizes Dona Leopoldina e Dona Amélia.
Ela fez descobertas importantes, como a das quatro costelas fraturadas de Dom Pedro I e a que recontou uma lenda sobre Dona Leopoldina: a imperatriz não quebrou o fêmur em decorrência de uma suposta briga com D. Pedro I no palácio da Quinta da Boa Vista.
O projeto de doutorado está na Faculdade de Medicina da USP, mas ainda depende do mais importante: a autorização de descendentes da família imperial, que já permitiram, em outra ocasião, a retirada dos corpos na primeira pesquisa da arqueóloga. A existência do projeto foi noticiada pelo jornal “O Estado de S.Paulo” desta quarta-feira. Ao “Globo a Mais” desta quarta-feira, Valdirene falou pela primeira vez sobre detalhes dessa segunda pesquisa, que pode revelar, a partir de vários exames de laboratório, fatos desconhecidos ou mal-entendidos da família imperial — e, consequentemente, da História do Brasil.
Quais são as propostas desse novo projeto de pesquisa?
Recebi um convite para fazer o doutorado na Faculdade de Medicina, embora eu não seja da área e não vá me tornar médica por isso. Será possível fazer estudos mais aprofundados com relação aos imperadores e mais amplos na parte das doenças que acreditamos terem sido erradicadas na época.
A proposta é fazer uma ligação entre História, Arqueologia e Medicina. A partir das análises do mestrado (sobre D. Pedro I e as imperatrizes), surgiu a intenção de poder fazer um estudo mais amplo sobre a família imperial, com as três gerações.
O que falta para os trabalhos começarem?
A primeira coisa é a autorização da família imperial, tanto do ramo de Vassouras quanto do ramo de Petrópolis. É a primeira coisa a ser exigida pelos órgãos públicos. Isso não acontece apenas com trabalhos sobre a família real, mas com estudos sobre qualquer família em qualquer cemitério. Já tive contato com D. Luiz de Orleans e Bragança, chefe da Casa Imperial, e D. Bertrand.
É preciso contactar o maior número de parentes, é uma questão ética. Vou protocolar, provavelmente amanhã, uma síntese do projeto no Iphan. Para entregar todos os papéis exigidos, tenho que esperar a permissão da família.
O que a senhora espera encontrar nos restos mortais?
Não sabemos de que forma iremos encontrar, é uma pergunta que me faço. Conseguimos, por exemplo, descobrir qual foi a técnica de embalsamento usada no caso de D. Pedro I. Sobre D. Pedro II, temos relatos de algumas pessoas que visitavam Portugal. Parece que o corpo era visto através de um vidro, mas não temos certeza disso. Acredito que os caixões estejam hermeticamente fechados. No caso da Princesa Isabel, que morreu na França, possivelmente ela foi submetida a outros métodos de embalsamento. Mas temos a mesma intenção de verificar as doenças, de fazer os mesmos procedimentos que fizemos em São Paulo (os estavam os restos mortais de D. Pedro I).
O que dizer aos críticos de estudos com restos mortais, mesmo que os fins sejam científicos?
Essas questões existem. Lidar com remanescentes humanos ainda é um tabu, e não é só no Brasil. Acho que, em primeiro lugar, tem de haver respeito, é fundamental. Com a família imperial (na outra pesquisa), o único pedido deles foi a realização de uma cerimônia religiosa no local, e eles levaram um sacerdote da Igreja Católica.
Tudo foi feito nos moldes deles. Isso se repetiria também em Petrópolis. Não é apenas o respeito à família, mas a eles. Eu os vejo como seres humanos, não como simples objetos de estudo. Eles tiveram a vida deles, como eu tenho a minha. Isso deve ser respeitado independentemente de ser um imperador. Além do respeito, trabalhamos para o conhecimento e queremos fazer isso para a nossa sociedade atual. Não é aquela coisa de olhar o passado como uma coisa arcaica, mas sim como aprendizado. No caso de D. Pedro I, tiramos um peso, uma mancha da memória da pessoa que perdurava por 200 anos (sobre a suposta agressão física que teria quebrado o fêmur de D. Leopoldina).
Isso é muito significativo. Não gosto da palavra exumação para pesquisas assim. Exumação é feita pela família para liberar espaço no túmulo ou por consequência de ação judicial. Chamamos de pesquisa mesmo.
Como seria o transporte de Petrópolis para São Paulo?
O que fizemos em São Paulo seria feito em Petrópolis, com uma empresa de transporte de patrimônio histórico que atuaria com toda a proteção e todo o respeito. Mas detalhes assim ainda são especulação (por causa da espera pela autorização da família).
Que exames podem ser feitos?
Será possível submeter os restos mortais aos mesmos exames já aplicados na população de São Paulo, principalmente na análise de cadáveres. Podemos fazer virtopsia, que é a autópsia virtual. Com base nos dados da tomografia, obtemos dados amplos sobre a morte do paciente
Fonte/(Entrevista publicada na edição desta quarta-feira da revista digital “O Globo a Mais”)
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