Enquanto o debate sobre a descriminalização da maconha ganha força com o julgamento do caso deFrancisco Benedito da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares da bancada anti-drogas do Congresso Nacional estão lançando uma ofensiva para impedir que a ideia avance na Justiça e reforçar as atuais lei que criminalizam o uso de entorpecentes no Brasil.
Representada e coordenada pelo médico e deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), a Frente Parlamentar Mista de Combate às Drogas se juntou a organizações da sociedade civil, como o Movimento Nacional da Cidadania pela Vida Brasil Sem Drogas e representantes das igrejas católica e evangélica, para a produção de um abaixo-assinado com 2 milhões de assinaturas contra a descriminalização, a ser entregue à presidência da República, da Câmara, do Senado e do STF.
Composta por 196 deputados e 8 senadores, a bancada anti-drogas do Poder Legislativo também iniciará uma pressão em cima do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para que coloque em votação o Projeto de Lei 7663/2010, aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 2013. Segundo o líder da frente parlamentar, o texto ainda não foi colocado em pauta devido a “pressões dos ‘liberacionistas’”.
O projeto prevê, além do aumento da pena por tráfico de acordo com a droga comercializada, dobrar a punição atual para usuários e instituir a internação compulsória deles – aquela feita contra a sua vontade.
"É um momento de efervescência sobre o tema: julgamento no Supremo, deputados querendo emplacar projetos para liberar as drogas. Mas a população não está se manifestando, não tem conseguido essa possibilidade. E, enquanto o STF analisa o tema, com votos favoráveis à liberação, as pesquisas de opinião mostram que a maioria das pessoas é contra a descriminalização. Então, por que permiti-la?", argumenta ao iG Osmar Terra.
De acordo com pesquisa de opinião do Instituto Datafolha, realizada em setembro de 2014, 82% dos brasileiros são contra a liberação das drogas – sob o argumento de que elas prejudicam não só o usuário, mas toda a sociedade. É a mesma defesa da bancada contra entorpecentes. O mesmo levantamento mostra que apenas 15% defendem a legalização.
"A droga é uma epidemia e a doença da droga, incurável. Temos, hoje, mais de 7 milhões de dependentes químicos só no Brasil. Se descriminalizar, vai virar festa. Chegaremos a 40 milhões de dependentes, mais do que o número de alcoólatras”, diz o deputado.
Pressionar para endurecer combate
A ideia de retomar a pressão contra as drogas vem no momento em que a sociedade aguarda o retorno do julgamento do STF, até o momento indo na direção oposta da que desejam os parlamentares da bancada. Dos três ministros do tribunal que votaram até o momento, todos foram favoráveis à descriminalização da maconha no País: Gilmar Mendes, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Há divergência entre os 11 magistrados sobre alguns pontos do tema – como delimitação de quantidade para diferenciar traficantes de usuários e a inclusão de todas as drogas no debate, como defendem muitos especialistas –, o que levou à suspensão do processo, a pedido do ministro Teori Zavascki. O julgamento analisa o caso de Francisco Benedito da Silva, flagrado com três gramas de maconha dentro da cela de um presídio onde cumpria pena, e sua sentença será usada para pautar futuros processos do gênero no País.
A meta dos parlamentares contrários à descriminalização é entregar o abaixo-assinado com as 2 milhões de assinaturas, junto do parecer explicando seu posicionamento, antes da retomada do julgamento.
Em teoria, sem prisão
A atual legislação sobre drogas, especificada na Lei nº 11.343, de 2006, teoricamente deixou de punir usuários com prisão, mas manteve o uso de drogas criminalizado. Hoje, pessoas flagradas com algum entorpecente ilícito enfrentam penas alternativas que vão de cinco a dez meses de prestação de serviços à comunidade.
Apesar disso, muitos especialistas apontam que o fato de o texto não especificar uma quantidade para diferenciar traficantes de usuários levou a uma explosão de prisões de consumidores por tráfico de drogas, habitualmente pessoas de classes mais pobres. Isso porque, sem um texto claro sobre quem poderia ser um ou outro, a decisão acaba ficando nas mãos de policiais, delegados e juízes, que acabam por fazê-lo com base em suas convicções e ideologias.
Levantamento do Instituto Sou da Paz em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) mostra que 67,7% dos encarcerados por tráfico de maconha nas prisões do País foram flagrados com posse de menos de 100 gramas da droga, sendo 14% deles com quantidade inferior a 10 gramas – algo em torno de dez cigarros.
Integrantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública creditam justamente à lei atual a explosão do número de presos no Brasil, como mostra a 9ª edição do Anuário da Segurança Pública, divulgada no mês passado – saltou de 90 mil, em 1990, para mais de 600 mil, em 2014. Hoje, 25% dos encarcerados do sistema penitenciário cumprem pena por tráfico – apenas 8%, por homicídio.
"As polícias passaram a enquadrar esses usuários das periferias como traficantes, e isso levou ao crescimento exponencial dessas pessoas na cadeia, já que são elas os alvos preferenciais das PMs todos os dias em seus bairros ", analisa Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul. “Mesmo que alguns falem o contrário, está mais do que claro que a forma atual como lidamos com o problema da droga está superada. Temos de mudar a abordagem. Criar padrões concretos para diferenciar o traficante do usuário.”
A proposta de se delimitar essas quantias como uma forma de reduzir danos tem sido aplicada em muitos países nos últimos anos, como Portugal, Canadá, Espanha, e, mais próximos ao Brasil, Argentina e Uruguai. Baseado nessas experiências, o ministro Barroso pediu no julgamento a padronização de 25 gramas e/ou seis plantas fêmeas de maconha para definir o usuário.
Mas, com um texto que pede a internação compulsória do usuário e o aumento das penas a cumprir, o Projeto de Lei 7663/2010 não prevê tais diferenciações.
“Como, hoje, usar drogas é um crime, se a pessoa é pega com alguma, há um constrangimento, porque ela terá de cumprir penas. Agora, se deixar de ser crime, ela vai levar para escola, compartilhar em casa, no bar, não vai ter problema nenhum. E quem vai dar conta disso? O tráfico, com toda a sua violência, que dará seu jeito para só carregar quantidades pequenas e não ser punido. Ninguém mais vai ser preso”, discursa Terra, que tem um plano B para o caso de o STF definir pela descriminalização.
“Talvez seja o caso de elaborar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para derrubar essa tese... Por enquanto, sigo confiando no Supremo.
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