Advogados de oito instituições admitidas como amici curiae se manifestaram no sentido da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal. As sustentações orais ocorreram na sessão desta quarta-feira (19), quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar o Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral. Um ponto comum das alegações feitas da tribuna foi o de que, como a opção pelo uso de drogas tem caráter pessoal, não haveria ofensa a bem jurídico de terceiros e a utilização do direito penal para punir a conduta seria excessiva.
Pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), que congrega em torno de 360 advogados criminalistas, o advogado Augusto de Arruda Botelho afirmou que a decisão do STF pode ser um ponto de partida para a revisão da política brasileira de combate às drogas, que classificou como fracassada. Em seu entendimento, há diversas medidas terapêuticas e educacionais mais eficientes que o direito penal para evitar o aumento ou a continuidade do uso de drogas. Segundo ele, a conduta do usuário de drogas é estranha ao direito penal, pois afeta unicamente a saúde do cidadão e o ordenamento jurídico brasileiro não pune a autolesão. “O direito penal tem assuntos mais importantes a tratar que o consumo de drogas em local privado por um cidadão”, disse.
O representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Ávila Maronna, argumentou que o Estado não tem legitimidade para incriminar o porte de drogas para uso pessoal, pois isso representaria uma violação da intimidade do cidadão. Segundo ele, com a legislação atual, a pessoa autuada por porte de pequena quantidade de drogas tem que provar que não pratica o tráfico e usuários estão sendo condenados como se fossem traficantes. Disse ainda que deixar de incriminar o usuário não afetará o consumo de drogas e assegurou que dados de países como Argentina e Uruguai indicam que a descriminalização não refletiu aumento de usuários. Observou, ainda, que a penalização é ineficaz, como comprova o próprio caso concreto, em que a droga foi encontrada em um presídio, e ressaltou que o padrão de consumo de tabaco foi reduzido sem a utilização da lei penal.
Representando os amici curiae Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária, o advogado Rafael Carlsson Custódio afirmou que em nove anos de vigência da Lei 11.343/2006, o percentual de presos condenados por delitos relacionados a drogas subiu de 11% para 27%. Disse ainda que 63% das mulheres encarceradas respondem por eventos relacionados à Lei de Drogas. Em sua opinião, a guerra às drogas atinge pessoas com um perfil definido: jovens, negros e sem antecedentes criminais. Segundo ele, na maioria das vezes, essas pessoas são presas sozinhas, sem armas, com pequena quantidade de drogas e sem qualquer evidência de conexão com o tráfico. “O rigor da Lei de Drogas parte de duas abstrações, a de que chegaremos a uma sociedade sem consumo de drogas e a da possibilidade de atingir esse ponto com lei penal”, sustentou.
Em nome da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Rodrigo Melo Mesquita assegurou que a criminalização de usuários de drogas não se sustenta perante a Constituição Federal, pois a opção pelo uso ou não é do próprio cidadão, sem afetar a terceiros, o que tornaria inviável qualquer sanção em decorrência deste comportamento. De acordo com ele, a Lei de Drogas é contraproducente em razão do processo de marginalização dos usuários, muitos dos quais precisam de tratamento de saúde e não buscam por causa da criminalização e da descriminação que temem sofrer.
Pela Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (ABESUP), a advogada Luciana Boiteux afirmou que a conduta do usuário não ofende a bens jurídicos de terceiros e que, por este motivo, não pode ser criminalizada. Segundo ela, o uso de drogas é um hábito cultural conhecido há milhares de anos, mas que a criminalização do usuário não existia até o início do século XX. A advogada salientou que a criminalização do usuário é um mecanismo de exclusão que atinge minorias, migrantes mexicanos e chineses nos Estados Unidos, onde se iniciou o proibicionismo, e no Brasil às pessoas escravizadas, pois a ideia era de que o uso era associado a essa parcela da população. Para a representante, a criminalização dos usuários também é atentatória à política pública de proteção à saúde, pois impede o acesso aos serviços de saúde. “A sociedade é que tem que resolver, não a Justiça”, disse.
STF/Notícias
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