segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Especial 200 anos do TJMA: Crimes que marcaram história no Judiciário maranhense



Original da carta testemunhável requerida por Russel Kennedy (Foto: Ribamar Pinheiro)
Original da carta testemunhável requerida
por Russel Kennedy (Foto: Ribamar Pinheiro

Deu no New York Times: “Americano é assassinado no Brasil”. A notícia publicada há 80 anos relatou a morte de John Harold Kennedy, 31 anos. Dois tiros disparados pelo maranhense José de Ribamar Mendonça, 25, bilheteiro de bondes da Ulen Company, atingiram e mataram o contador da empresa, na Rua da Estrela, em São Luís, no dia 30 de setembro de 1933.

Sessenta e seis anos depois do homicídio, o jornal britânico The Guardian noticiou: “Brasil viu o primeiro ato na tragédia dos Kennedys”. Apesar de o nome de John Harold não constar na árvore genealógica oficial da família, o periódico acolheu uma versão local, segundo a qual teria sido confirmada por um cônsul dos Estados Unidos a informação de que Harold seria irmão ilegítimo de Joseph, o pai de John F. Kennedy, presidente americano assassinado em 22 de novembro de 1963 em Dallas, Texas.

Muitos consideram que a chamada maldição dos Kennedy começou com a morte de Joseph “Joe” Junior, irmão mais velho de JFK, em 12 de agosto de 1944, na explosão do avião que pilotava, durante a Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra. Um dos indícios do parentesco do Kennedy morto no Maranhão com o ex-presidente, entretanto, é que ambos nasceram no estado de Massachusetts.

TRÊS JULGAMENTOS – A morte de John Harold foi imediata, mas o drama de Mendonça durou 11 anos, entre 1933 e 1944. Passou por três julgamentos – em todos eles absolvido - e provocou uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, envolvendo nove ministros brasileiros e três embaixadores americanos. O livro “Morte na Ulen Company” (Record, 1983), de José Joffily, narra a dimensão política e social dada aos fatos.

A assinatura de contrato entre a empresa americana e o governo maranhense para realização de obras públicas e posterior administração de serviços - dentre eles, transporte, luz e água - ocorreu em 1923. Inicialmente recebida com a perspectiva de solução para problemas graves enfrentados pela população, tornou-se, em pouco tempo, motivo de reclamações.

A constante elevação das tarifas, baixos salários pagos aos empregados locais e a arrogância dos representantes da Ulen estavam entre as principais queixas da comunidade. Jornais do Maranhão e de outros estados criticavam termos do contrato, considerado abusivo.

Foi neste contexto que o bilheteiro, demitido poucos dias antes de completar dez anos de serviços e conquistar a estabilidade na empresa, matou Kennedy. A vingança pessoal ganhou ares de clamor público antiamericano, especialmente contra os administradores da Ulen.

A Coordenadoria do Arquivo e Documentos Históricos do Tribunal de Justiça preserva a carta testemunhável requerida por Russel F. Kennedy, irmão de Harold. O documento solicitado com o intuito de recorrer ao Supremo Tribunal Federal, após as três absolvições de Mendonça e à negativa da instância superior a um recurso extraordinário seu, apresenta atos registrados no período.

Preso em flagrante, Mendonça foi levado a júri popular pela primeira vez em 21 de novembro de 1933. Waldemar de Sousa Brito foi um de seus advogados de defesa.
“Uma das astúcias dele foi ter enrolado o José Mendonça na bandeira brasileira, perante o conselho de sentença, como se dissesse: vocês é que têm que exercer a soberania, que é inerente ao Tribunal do Júri. Nós temos que mostrar para os americanos que aqui também nós temos Justiça”, destaca o juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida, escritor e pesquisador de julgamentos que fizeram história no Maranhão.

Mendonça foi absolvido por cinco votos a dois, sob o argumento de que se achava em estado de perturbação dos sentidos e de inteligência. O promotor Edson Brandão apelou da decisão, que foi anulada pela Câmara Criminal do então Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, com o fundamento de não ter havido prévia perícia técnica.

No segundo julgamento, em 18 de abril de 1934, o júri o absolveu por unanimidade, reconhecendo que o réu cometeu o crime “para evitar mal maior”.
O terceiro julgamento só se realizaria 11 anos depois do crime, apesar do protesto do advogado, alegando não ser possível fazer retroagir uma lei nova para prejudicar o réu, já que Mendonça havia adquirido direito dentro do então revogado Código do Processo Criminal do Estado.

O ex-bilheteiro já vivia desde 1935 no Rio de Janeiro, contratado pela Companhia Atlantic de Petróleo, quando foi mais uma vez preso. Trazido para São Luís, encarou o terceiro julgamento do tribunal do júri e de novo foi absolvido, desta vez por “legítima defesa”.

Em 6 de dezembro de 1944, Russel Kennedy entrou com recurso no Supremo, usando a carta testemunhável. Mendonça morreu oito anos depois, de infarto, no local de trabalho.
FRANÇA EQUINOCIAL - Crimes e sentenças de grande repercussão entraram para a história do Maranhão pouco tempo depois que os franceses invadiram a ilha de Upaon Açu – como era chamada pelos índios tupinambás – e fundaram a cidade de São Luís, em 8 de setembro de 1612, em homenagem a Luís IX, patrono da França, e ao rei francês da época, Luís XIII, no projeto da França Equinocial.

O primeiro julgamento durante a ocupação foi do índio Japiaçu, por mandar matar e esquartejar uma ex-escrava que havia sido sua esposa, acusada de adultério com outro índio. Estavam em vigor as “Leis Fundamentais” (1612), o primeiro ordenamento jurídico do Maranhão, editadas pela Coroa Francesa.

“Eu chamaria de primeiros rudimentos de órgão judiciário no Maranhão”, compara o desembargador aposentado e pesquisador Milson Coutinho, ao se referir à junta de justiça formada por loco-tenentes franceses – Francisco de Rasilly; Daniel de La Touche, comandante da expedição, conhecido como Senhor de La Ravardière; e pelo padre superior Ives d’Evreux.

Membro da Academia Maranhense de Letras (AML), Coutinho cita o caso no livro “História do Tribunal de Justiça do Maranhão: Colônia, Império, República” (SECMA, 1982), disponível na Biblioteca do TJMA.

Num primeiro momento, juízes-caciques e franceses decidiram pela absolvição do réu. O tribunal entendeu que deveria prestigiar a missão católica na terra ocupada. Ficou decidido que o perdão só seria alcançado depois de Japiaçu pedir a intervenção do padre Ambroise d’Amiens.
O índio clamou fervorosamente ao sacerdote que obtivesse do presidente da Corte, de Rasilly, a graça da absolvição, sendo esta então concedida.

CENÁRIO DE MORTES – Já no Brasil Império, na segunda metade do século 19, a Rua São João, atual 13 de Maio, no centro de São Luís, foi cenário de duas mortes que ganhariam repercussão em todo o país.

Num intervalo de três anos e três meses, um desembargador do então Tribunal da Relação do Maranhão e a mulher que seria, mais tarde, conhecida como a Baronesa de Grajaú foram acusados de crimes terríveis: José Cândido Pontes Visgueiro, de 62 anos, pelo assassinato e mutilação da amante adolescente; Anna Rosa Vianna Ribeiro, 40, pela morte, por maus tratos, de uma criança escrava de cerca de oito anos.

O magistrado foi condenado à prisão perpétua; a dama da sociedade, absolvida. Para vários juristas, jornalistas e escritores, dois julgamentos com resultados equivocados.
CASO PONTES VISGUEIRO – O criminalista Evaristo de Moraes, autor de diversas obras na história do Direito Penal, deixa claro o seu entendimento logo no título do livro que escreveu sobre o crime do desembargador. Em “O Caso Pontes Visgueiro – Um erro judiciário” (Ariel Editora, 1934), ele sugere que o réu não deveria ser preso, mas submetido a tratamento em hospital psiquiátrico.

Convencido do erro, o autor narra a trajetória de Visgueiro desde a sua cidade-natal, Maceió, até chegar a São Luís: não falou nem ouviu até os 5 anos; voltou a ficar surdo aos 15; passou a ouvir mal na idade adulta, até a surdez definitiva, aos 40. Antes disso formou-se em Direito, foi deputado provincial e geral, juiz. Neste último cargo passou nove anos no Piauí.

Quando foi nomeado desembargador no Maranhão, já estava totalmente surdo. Por sugestão do então ministro da Justiça, Saião Lobato, foi nomeado fiscal do Tribunal do Comércio da província, cargo no qual não teria a dificuldade que enfrentava para acompanhar os debates no Tribunal da Relação.
Em junho de 1872, o solitário Pontes Visgueiro começou a relação com Maria da Conceição – já apelidada de Mariquinhas Devassa - que conhecera criança, pedindo esmolas.

Autores de textos sobre o tema, inclusive Evaristo de Moraes, costumam narrar que ela teria em torno de 15 anos, embora seu livro cite a sustentação de Franklin Dória, advogado do desembargador, segundo quem, para os peritos que a examinaram, “era uma rapariga de 18 a 25 anos de idade”.
“Não havia registro civil na época. Os cartórios só chegaram com a República”, explica o desembargador Milson Coutinho, para justificar a inexatidão quanto à idade da adolescente.
O juiz José Eulálio ressalta que, na época, não existia nem a palavra, nem o crime de pedofilia. “Se existisse, nós poderíamos dizer que o Pontes Visgueiro era um pedófilo”, sentencia.
Tanto a pesquisa do magistrado quanto o livro de Moraes relatam a paixão desvairada e os surtos de ciúmes de Pontes Visgueiro por Mariquinhas. Contam que ele a procurava em casas de prostitutas e outros locais, onde a jovem manteria encontros com diversos amantes.
Até que um dia, segundo José Eulálio, ele a flagrou com um cadete - o estudante Joaquim Pinheiro da Costa, de acordo com Evaristo de Moraes. Seria este fato o estopim para o planejamento da morte de Mariquinhas.
Em companhia de Guilhermino Borges, trazido do Piauí em uma viagem feita para tentar esquecer a amante, Pontes Visgueiro preparou o terreno para o homicídio. Encomendou dois caixões, um de cedro e outro zinco, e tentou atraí-la a sua casa, sob o pretexto de entregar-lhe um presente.
O convite só foi aceito no dia 14 de agosto de 1873, em companhia de Teresa Lacerda. A amiga foi convencida a retornar só depois do jantar. Supondo-se sozinha com o desembargador, Mariquinhas foi surpreendida por Guilhermino, que a dominou, enquanto Pontes Visgueiro a matou a punhaladas.
O corpo não coube no primeiro caixão. Visgueiro teria decepado as pernas e cortado o pescoço da vítima. A cabeça teria ficado presa ao tronco apenas pela coluna vertebral. Os caixões, um dentro do outro - o de zinco soldado - foram enterrados no quintal.
“Eu tenho fragmentos dos autos e lá diz que foi dentro de um caixão de madeira, revestido por um caixão de zinco. Eu tenho, inclusive, cópias dos depoimentos que falam isso”, assegura José Eulálio.
A persistência da mãe de Mariquinhas resultou na descoberta do corpo e na prisão de Pontes Visgueiro, por ordem do Supremo Tribunal de Justiça, nome à época do atual STF, então no Rio de Janeiro, único competente para julgar um desembargador.
A população maranhense ficou indignada com o crime bárbaro e muitos atacaram e apedrejaram a casa do desembargador, que conseguiu ser mantido com vida e mandado para o julgamento no Rio de Janeiro.
O livro de Evaristo de Moraes conta que, perguntado se sabia por que estava preso, confessou: “porque matei Maria da Conceição”; e completou, sobre o motivo: “porque a amava muito”. O termo de interrogatório foi feito com perguntas e respostas a lápis, em razão da surdez de Pontes Visgueiro.
A defesa de Franklin Dória, futuro Barão de Loreto, foi considerada brilhante.

 Recorreu à tese de transtorno mental do réu, sob a influência de uma paixão violenta. Tanto para o advogado, à época, quanto para o escritor, posteriormente, a calma manifestada logo após a prática de crimes horrendos não era sinal de normalidade, mas sim de anormalidade psíquica dos autores.

O Supremo não aceitou os argumentos e condenou Pontes Visgueiro à pena de galés, que, pelo Código Criminal do Império, consistia em sujeitar “os réos a andarem com calceta (argola de ferro) no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido commettido o delicto, à disposição do Governo”.

Pelo fato de Visgueiro ser maior de 60 anos, a lei permitia, como a outros réus de mesma idade, que a pena fosse substituída por prisão perpétua.
“O maranhense Viveiros de Castro, desembargador do Tribunal do Rio de Janeiro, à época escreveu um artigo dizendo que o Supremo errou, porque Visgueiro não deveria ter sido julgado como criminoso, mas uma pessoa com transtorno mental”, disse José Eulálio.

O conselheiro Duarte de Azevedo, então ministro da Justiça, foi visitar a penitenciária do Rio. O condenado pediu para falar com ele, para saber sobre seu pedido de aposentadoria; e acrescentou: “sim, porque eu sou desembargador”. O ministro limitou-se a escrever: “Foi.”

Evaristo de Moraes diz que Pontes Visgueiro morreu na Casa de Correção, em 24 de março de 1875. No final do livro, entretanto, o autor dedica um trecho a boatos de que ele teria escapado para Portugal.

Segundo o escritor, o desembargador Lucatelli Dória, do Superior Tribunal da Bahia, contou-lhe ter conhecido um vigário de Santa Rita, Piauí, muito amigo de Visgueiro. O padre disse ter recebido uma carta em branco de procedência estrangeira. Submetida a processo químico, ela teria revelado uma escrita do condenado, informando-o da fuga e da nova vida.

O CRIME DA BARONESA - A história do julgamento de Anna Rosa Vianna Ribeiro é contada no livro “O Crime da Baronesa” (Lithograf, 2004), de José Eulálio Figueiredo.
Tudo começou com a morte de Inocêncio, um escravo de apenas 8 anos de idade, em 13 de novembro de 1876, que vivia sob a guarda e custódia da senhora. O atestado de óbito assinado pelo médico Antonio dos Santos Jacintho, amigo de Anna Rosa, informava que o menino havia morrido de hipoemia intertropical, anemia provocada por vermes.

Na época, conta o autor, era comum o cortejo fúnebre em caixão aberto, no caso de crianças, empresários, padres e pessoas ilustres. Mas o sepultamento foi feito às pressas, no início da manhã, com o caixão completamente fechado, e, inicialmente, não houve investigação da polícia.
Além do mais, acrescenta, um irmão da vítima, Jacinto, também menor, morrera um mês antes em circunstâncias parecidas.

“O escravo era tratado como coisa, objeto, mercadoria, propriedade do seu senhor”, diz o juiz.
Apesar da indiferença penal da legislação imperial em relação a crimes contra escravos, as duas mortes, num intervalo de tempo curto, despertaram o interesse dos integrantes do Partido Conservador, inimigos do marido de Anna Rosa, o chefe do Partido Liberal na província do Maranhão, Carlos Fernando Ribeiro - que seria depois nomeado Barão de Grajaú pelo imperador Dom Pedro II, em 1884.

Os conservadores, liderados pelo Barão de São Bento, Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho, provocaram a autoridade policial e o crime ganhou contornos políticos.
A primeira perícia no cadáver concluiu, por observação de contusões, feridas e manchas, que a vítima sofrera castigos e maus tratos. O médico Jacintho contestou o laudo e nova perícia foi realizada. A dissecação das vísceras constatou presença de terra e vermes.

A causa das lesões, no entanto, deu margem à instauração de inquérito policial e tornou-se o centro de uma acirrada disputa em processo entre o promotor público Celso da Cunha Magalhães e o advogado da acusada, Francisco de Paula Belfort Duarte.

“As peças são primores, ambos escreviam bem e tinham seus pontos de vista”, elogia José Eulálio.
O juiz José Manoel de Freitas não aceitou a denúncia, por falta de indícios de autoria e provas. Celso Magalhães recorreu ao Tribunal da Relação, que decretou a prisão da acusada. No mandado de prisão da polícia constava a expressão: “prenda, iminente, a delinquente dita Anna Rosa Vianna Ribeiro”, destaca o autor do livro.

José Eulálio narra que, levada a julgamento em 22 de fevereiro de 1877, foi absolvida, porque todas as damas da sociedade compareceram usando trajes e acessórios pretos, próprios do luto, em protesto a aquele júri.

Por outro lado, os adversários do marido dela não compareceram: ficaram num prédio ao lado, onde eram informados do andamento do julgamento por Celso Magalhães, nos intervalos.
O autor relata que os escritores Graça Aranha e Josué Montello deixam dúvidas quanto à isenta atuação do promotor.

“Qual a conclusão que eu tive? Que Celso Magalhães estava a serviço da política; que a acusação dela foi política, não jurídica. Os acusadores dela foram inábeis em demonstrar a culpabilidade por meio de elementos de provas”, comenta o juiz, para quem o delegado teria que ter feito uma busca domiciliar, à procura de tais elementos.

No curto período em que foi presidente da província, o Barão de Grajaú exonerou Celso de Magalhães da função de promotor de justiça.
José Eulálio lembra que o poeta, escritor e membro da AML, José Chagas, num artigo que consta em seu livro, disse que, após exame feito por seu texto, não se podia dizer se era o crime da baronesa ou a baronesa do crime, por ser considerada uma senhora conhecida pela índole perversa.

“Embora tenha se livrado da condenação pelo tribunal do júri, a acusada Anna Rosa Vianna Ribeiro nunca se livrará da voz pública, do conceito social atribuído a autores de crimes que ceifam a vida humana de maneira aviltante e desprezível”, encerra José Eulálio.

Assessoria de Comunicação do TJMA

(98) 3198.4370

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