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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Juízos de Garantias e de Instrução: faces diferentes, mas complementares e independentes de uma mesma moeda


Advogado Sebastião Uchôa


Debruçado, singelamente, na nova legislação que alterou dispositivos dos Códigos Penal e Processual Penal, bem como de algumas legislações especiais, a exemplo da Lei de Execução Penal brasileira (Pacote Anti-crime), tão logo foi publicada no Diário Oficial da União, no final do mês passado, mais especialmente nos pontos atinentes à criação dos chamados Juízos das Garantias e de Instrução, como corolário de reforço, diria, à efetivação das Garantias Individuais insertas na Carta Política de 1988 (plenitude da impessoalidade e postura imparcial do Poder Judicante).

Há avanços civilizatórios e não tão contraditórios como alguns segmentos doutrinários têm se manifestado, embora sejam finalisticamente faces da mesma moeda, pois na prática, complementam-se, porém se tornando diferentes em apreciações, mas convergentes diante do tronco comum chamado Justiça do bom Direito, pode-se, assim, brevemente, registrar.

Sabe-se que, tecnicamente, qualquer prisão em flagrante delito ou medidas cautelares a exemplos das prisões temporárias, preventivas ou até mesmo busca e apreensão domiciliar, quebras de sigilos telefônicos ou bancários etc. assim como outras diligências chamadas persecutórias diversas, porém incidentais, sem exceção, passam pelos crivos do Ministério Público como custo legis e pela palavra final, o próprio Poder Judiciário, sobretudo como forma de controle do Leviatã (Estado) especialmente na denominada fase pré-processual inquisitorial, seja lá executada pela Polícia Judiciária ou na investigação criminal a cargo do Ministério Público ou mesmo de outro órgão público que tenha autorização legal para investigar.

O fator determinante é que o chamado Juízo das Garantias, nas práticas procedimental e processual, já constitui realidades cotidianas em toda a tramitação legal de todas as demandas que requeiram medidas que somente com autorização judicial poderiam e podem ser executadas. Isso é fato, mesmo diante de algumas incertezas ou inconveniências por abusos cometidos por quem deveria imparcial e impessoalmente até mesmo apreciá-las previamente.

Ora, o crivo das “Garantias Constitucionais”, trata-se de realidade forense em todas as acepções, acolá se vê abusos ou desvios sendo corrigidos no nascedouro, ou seja, relaxamento de prisões ilegais e indeferimento de pleitos policiais ou ministeriais, com até encaminhamento aos órgãos correcionais das instituições que derem causa a qualquer tipo de condutas que ensejavam possibilidades de abusos de autoridades cometidas por seus integrantes e quando das vezes, remessas até mesmo de Reclamações às Corregedorias da própria Justiça, sem prejuízos de recursos judiciais a disposição das partes que venham se sentir lesadas de alguma forma.

É na linha do raciocínio acima que podemos registrar a desnecessária criação do Juízo das Garantias e até da Instrução, uma vez que a prática de tais controles, vem sendo efetivada no mundo operacional do Direito Penal em nosso país, desde os Códigos Processuais Penais de então.

E casos pontuais de abusos ou desvios, não podem ser vistos como regra geral no cenário da atividade estatal de controle, correção e ou repressão a condutas delitivas das mais diversas espécies no Brasil, ainda que em tempos atuais.
No entanto, é com o reforço, poderia dizer, da chegada do denominado Juízo de Instrução em que nada participará da primeira fase de apreciação das provas coletadas ou buscadas nas fases pré-processual ou procedimental (inquéritos criminais) já veladas pelo Juízo das Garantias.

É no diapasão supra que se pode afirmar que se poderá ter no Brasil, pela primeira vez, uma apreciação judicial de fato ou situação onde direitos individuais estejam sob a égide de suspeição aos acusados em geral, sob a ótica de uma valoração que se aproxima mais dos princípios da impessoalidade e imparcialidade, cujos subjetivismos de influências diretas e indiretas, possam menos contaminar qualquer decisão judicial que venha a se afastar mais ainda do critério do justo-legal a ser aplicado diante de um caso concreto, num segundo plano de apreciação assim a ser  valorado.


Acredita-se, que com duas apreciações judiciais, complementares nas engrenagens, mas independentes por excelências, ter-se-á a sensação do adágio “dar a César o que é de César”, nos aspectos da aplicação do direito de forma mais original, ou melhor, sem contaminação subjetiva de qualquer emoção, subjacente, sobretudo, pois o filtro dessa mecânica procedimental, já será bem delimitado pelo próprio Juízo das Garantais, que, envolvido emocional e diretamente com os fatos, passará para um magistrado alheio, a capacidade de decidir de forma mais neutra possível, aproximando mais e mais dos anseios da Justiça em todas as acepções pertinentes.

Somente quem opera o Direito na prática vivencia as realidades acima.

No fundo, há um “buraco negro” de injustiças que são cometidas, ainda que muitas garantias constitucionais sejam protegidas pelos juízos de garantias de fato que já fazem muitos controles no cotidiano forense brasileiro, eis uma das fortes razões de a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciar em favor da existência  dos Juízos de Garantias e, de Instrução processual criados no “Pacote Anti-crime”, acima declinado, dentre outras razões, acredito.

Há controvérsias para todos os lados, especialmente embriagadas por posicionamentos jurídicos e até politizados enviesados de interesses possivelmente questionáveis, onde, sem uma compreensão macro, corre-se o risco de produzirem interpretações casuais, trazendo perigos interpretativos ao suado construído Estado de Direito brasileiro que a tantas resistências tem vencido batalhas diversas na história política brasileira nesses últimos tempos.

A recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, em torno da presente temática, mais precisamente de não atender a suspensão de alguns dispositivos do denominado “Pacote Anti-Crime” em sede de pedido de liminares levado a cabo por partidos políticos, mais concretamente no ponto inerente aos Juízos das Garantias e de Instrução, optando pela criação de um grupo de trabalho perante o Conselho Nacional de Justiça para melhor discutir a viabilidade da implementação de tal Juízo no cenário da Justiça do Brasil, parece, em tese, que fulminou o discurso de algumas resistências interna no Judiciário brasileiro, de que violaria a autonomia do Poder Judiciário brasileiro, bem como de que não se teria condições estruturais para efetivar tal mudança.
O certo é o tempo quem melhor dirá, onde a nação brasileira, poderá, a médio e longo prazos chegar às suas conclusões, especialmente, de que é preferível uma justiça não  tardia e justa, mas que não falhe, a uma justiça de causalidade que somente alimenta o imaginário coletivo que Justiça boa é aquela que condena mais e mau, e promove mais injustiça que Justiça, olvidando-se que se tratam de faces de uma mesma moeda.



Por: Advogado Sebastião Uchôa


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