A concessionária não pode reter o veículo como
forma de exigir o pagamento dos reparos realizados. A recusa em devolver o bem
pode, inclusive, ensejar a propositura de ação de reintegração de posse, quando
comprovado o esbulho.
O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial de concessionária
que, por falta de pagamento de reparo em veículo, decidiu reter o automóvel até
que o proprietário quitasse os serviços.
Na ação de reintegração de posse, a empresa
proprietária do carro alegou que a recusa do pagamento decorreu de divergência
em relação à cobertura de garantia do fabricante. A proprietária entendeu que o
serviço estaria coberto pela garantia, mas a oficina concluiu que o defeito
ocorreu devido à utilização de combustível de baixa qualidade.
O pedido de reintegração foi julgado improcedente
em primeira instância – o magistrado entendeu que a retenção do veículo foi
legítima, motivada pelo serviço prestado e não quitado. Contudo, o Tribunal de
Justiça do Espírito Santo reconheceu a procedência da reintegração de posse e
concluiu que a retenção com a finalidade de compelir o proprietário caracteriza
autotutela, o que, em regra, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Possuidor de boa-fé
O relator do recurso especial da concessionária,
ministro Villas Bôas Cueva, lembrou inicialmente que o artigo 1.219 do Código Civil – utilizado pela oficina
como um dos fundamentos do recurso – dispõe sobre uma das raras hipóteses de
autotutela permitidas pela legislação brasileira, qual seja, o direito de
retenção decorrente da realização de benfeitorias no bem, e só pode ser
invocado pelo possuidor de boa-fé.
No caso analisado, todavia, o ministro destacou que
a oficina em nenhum momento exerceu a posse do bem, mas somente sua detenção,
já que o veículo foi deixado na concessionária apenas para a realização de
reparos. Por consequência, a concessionária também não poderia exercer o
direito de retenção sob a alegação de ter realizado benfeitoria no veículo.
“Assim, não configurada a posse de boa-fé do
veículo por parte da recorrente, mas somente sua detenção, não é lícita a
retenção ao fundamento de que realizadas benfeitorias, porquanto refoge à
previsão legal do artigo 1.219 do Código Civil/2002, invocado para respaldar o
pleito recursal”, concluiu o relator ao negar provimento ao recurso especial da
concessionária.
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